quarta-feira, 11 de agosto de 2021

ENTRE QUATRO PAREDES

Entre quatro paredes, Sherazade e o rei Schariar, em quarentena, por 1001 noites. Entre quatro paredes, Ali Babá e os quarenta ladrões em quarentena perpétua.

11 de agosto de 2021

Flávio Ricardo Vassoler, doutor em Letras, com pós-doutorado em Literatura Russa pela Northwestern University(Estados Unidos). É autor de várias obras, como O Evangelho segundo talião, Tiro de misericórdia, Dostoiévski e a dialética : Fetichismo da forma, utopia como conteúdo.

Altas e altivas como sentinelas
Coercitivamente coerentes, coesas e compactas
Como vértebras de concreto
Como punhos de barro esturricado
A reter o caos de areia da vida
E a encapsula-lo com a paralisia do decreto
Como a verdade cinza da borboleta coagulada em âmbar:
assim são as paredes que me resguardam do frio sem me acalentar
Testemunhas oculares sem rosto
Pedras sem boca que engolem a própria Medusa.
A hierarquia  é a razão de ser da parede.
A rebelião de um único tijolo a deixa banguela
E chega até mesmo a descalçar seus pés de barro.
A parede de vidro é
Translúcida como não podemos ser
Lúcida como tememos ser
Frágil como nós somos.
Cansado e suado, eu me esforço na parede de costas frias.
Excitado,eu a escuro na parede;
Suado, eu me escoro na parede quente de suas costas.
Parede de alvenaria: nudez.
Toda nudez será castigada: parede de alvenaria da favela.
Parede lisa e limpa: mentiras.
Parede turva: tentativa de ser sincero.
Uma lacuna na parede: chance!
Infiltração na parede: será que ela tá desconfiada?
Fissuras pela parede: eu me lembro.
Rachaduras pela parede: já não consigo esquecer...
Mofo e nódoas pela parede: tempo.
Parede de areia: ampulheta.
Parede imemorial: tradição.
Parede pichada: contradição.
Parede tombada: tradição (tese), contradição ( antítese) e ( contrar) revolução [síntese (s)].
O acaso ( cego ou caolho?)encontra
Entre os escombros da parede
Dois estilhaços que selam a (re) união do tijolo: eu e ela de mãos dadas.
O ocaso (antes ele fosse cego...) não deixa de encontrar
Entre os escombros da parede
Dois estilhaços  irreconheciliaveis do tijolo: ela se despede de mim.
Parede indestrutível: simulacro de vida.
Encafifado ( e emparedado), meu filho me pergunta:
" Quer dizer, então, papai, que as paredes antiterromotos do Japão, que sacolejam como varas de bambu, são mais reais que a parede parafina da  nossa casa?".
Parede crivada de balas: batalha.
Parede rebocada: perdão.

" Dos escombros a uma nova parede! " - prega o profeta.
Da parede a novos escombros: pregam o profeta.
Dos escombros  a uma nova parede: paaz, isto é, trégua - arremata a história.
Dos escombros a uma nova parede: esperança - arrevive a poesia.

Entre quatro paredes,
Sherazade e o rei Schariar, em quarentena, por 1001 noites.
Entre quatro paredes,
Ali Babá e os quarenta ladrões em quarentena perpétua.
Entre quatro paredes: ímpeto.
Entre quatro paredes: tédio.
Entre quatro paredes: sussurros.
Entre quatro paredes: gritos.
Entre quatro paredes: taras.
Entre quatro paredes: traição.
Entre quatro paredes: vigor.
Entre quatro paredes: Viagra.
Entre quatro paredes: taquicardia.
Entre quatro paredes: braquicardia.
Entre quatro paredes: êxtase.
Entre quatro  pareedes: ultraje 
Entre quatro paredes: intimidade.
Entre quatro paredes: intriga.
Entre quatro paredes: confissão.
Entre quatro paredes: delação.
Entre quatro paredes: ardor 
Entre quatro paredes: rancor.
Entre quatro paredes: afeto.
Entre quatro paredes: desafetos.
Entre quatro paredes: companheira.
Entre quatro paredes: comparsa.
Entre quatro paredes: companheira.
Entre quatro paredes: cúmplice.
Entre quatro paredes: comunhão.
Entre quatro paredes: cisão.
Entre quatro paredes: amor.
Entre quatro paredes: masmorra.
Entre quatro paredes: crime.
Entre quatro paredes: castigo.
Entre quatro paredes: trono.
Entre quatro paredes: exílio.
Entre quatro paredes: criação.
Entre quatro paredes: coação.
Entre quatro paredes: berço.
Entre quatro paredes: luto.
Dos escombros a uma nova paredes: fé.
Da parede aos nossos escombros: vida.

Foto: Luanna Falcão

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Não vamos afrouxar o garrão, a luta continua.


 




Um comentário:

ONTEM....

Ontem caminhando pelas ruas altas e baixas da cidade... Meus passos quando pisava o solo, parecia que em mim algo me levava para algum lugar...