" Proposta é um simples paliativo para a grave situação econômica pela qual passa o Brasil", escreve José Luís Oreiro
5 de Julho de 2022
( Publicado no site A Terra é Redonda)
A pouco menos de 100 dias do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022 a base de apoio do governo Bolsonaro no Senado Federal conseguiu aprovar, com o apoio praticamente unânime da bancada de oposição( com a exceção do senador José Serra) a PEC 1/ 2022, que cria uma série de políticas públicas para amortecer impacto da elevação dos preços dos combustíveis e da inflação sobre a população brasileira.
Entre essas políticas destacam-se um auxílio de R$ 1.000 para os caminhoneiros, o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400,00 para R$ 600,00 com ampliação da base de beneficiários do programa em aproximadamente 1,6 milhão de pessoas - número equivalente ao de pessoas que estão atualmente na fila de espera do benefício por fazerem jus ao mesmo - e o aumento do valor do vale-gás para a população de baixa renda . o valor total das medidas está estimado em 41,2 bilhões para o ano de 2022. Deve-se destacar, contudo, que tais medidas têm prazo de vigência até o dia 31de dexembro, quando termina o mandar o presidencial de Jair Messias Bolsonaro.
Os economistas liberais, muitos dos quais apoiaram a eleição de Bolsonaro em 2018 por temarem que um eventual governo de Fernando Haddad traria de volta (sic) o "populismo fiscal", estão agora aterrorizados com a destruição de facto, ainda que não de jure, do teto de gastos implementado na gestão de Michel Temer por intermédio da EC 95.
A facilidade com a qual o Senado Federal suspendeu, ainda que temporariamente, o teto de gastos deixa muito claro que (i) colocar uma regra fiscal na Constituição Federsl Federal não é garantia de que a mesma será cumprida sob quaisquer circunstâncias e ( ii ) o teto de gastos é uma regra fiscal anacrônica que amarra as mãos dos foremuladores de política econômica, tirando o espaço de manobra necessário para se enfrentar " eventos inesperados" como a forte elevação dos preços internacionais da energia e dos alimentos decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia no dia 24 de fevereiro de 2022.
Como qualquer economista que se tenha ao trabalho de ler ao menos uma vez a Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda do economista britânico John Maynard Keynes sabe muito bem, o processo de tomada de decisão - tanto do setor público como o do setor privado - está sujeito à incerhrzs, ou seja, a ocorrência de " eventos inesperados", a qual demanda flexibilidade para adaptar-se às novas circunstâncias que não haviam sido originalmente previstas. Nesse contexto, uma regra fiscal rígida como o teto dos gastos é o equivalente a atar-se ao mastro de um navio na esperança de que ele não será afundado por uma tempestade não prevista.
A PEC 1/2022 foi rapidamente denominada de PEC KAMIKAZE por parte da imprensa e da oposição. Eu, francamente , não consigo concordar com o, por assim dizer, apelido. Como é bem sabido, os Kamikazes eram os pilotos da força aérea do Império do Japão, que numa tentativa desesperada de impedir o avanço da imensamente superior esquadra norte-americana em direção ao arquipélago japonês na Segunda Guerra Mundial, jogavam seus aviões carregados de bombas sobre os porta-aviões norte-americanos com o intuito de afunda--los . Está claro que se tratava de uma missão suicida cujo resultado foi inócuo: as perdas sofridas pela esquadra norte-americana puderam ser rapidamente substituídas pela enorme capacidade industrial dos Estados Unidos.
Não há dúvida de que a PEC 1/2022 é a tentativa desesperada do governo Bolsonaro de reverter a enorme rejeição do governo ( cerca de 55% do eleitorado se diz contrário ao atual governo) e assim ter chance de ( i ) levar a eleição para o segundo turno e ( ii ) conseguir reduzir a vantagem de Lula sobre Bolsonaro pars, no evento de derrota nas urnas, poder contestar o resultado das eleições, numa edição à moda brasileira do dia 6 de janeiro de 2020 nos EUA. O que não está claro , no entanto, é o caráter. " kamikaze" dessa PEC. Na sequência vamos analisar essa questão mais detalhadamente.
O que exatamente o governo tem a perder com essa PEC? Os economistas liberais vão dizer que se trata de um atentado à (sic) ) responsabilidade fiscal. Sobre esse ponto quero tecer duas considerações. Em primeiro lugar, quando comparado ao valor gasto em 2020 com diversas medidas de f dos efeitos econômicos da pandemia da Covid-19 ( cujo valor alcançou quase R$ 600 bilhões), a PEC 1/2022 é bastante modesta: trata-se de pouco menos de 7% do valor gasto naquele ano .
Em segundo lugar, a PEC 1/2022 não difere substancialmente das medidas que países como Espanha e França estão adotando para amortecer o impacto sobre a população mais pobre do aumento dos preços de energia e dos alimentos. Com efeito, no último dia 25, o primeiro ministro espanhol, o socialista Pedro Sánchez , anunciou um auxílio de € 200 mensais para os trabalhadores de baixa renda, por conta própria e para os desempregados, além de um aumento de 15% nas aposentadorias não contributivas e por invalidez. O valor desse pacote de medidas está estimado em € 9 bilhões o equivalente a R$ 52, 2 bilhões.
A inação do governo Bolsonaro certamente lhe custaria a derrota nas eleições de outubro já no primeiro turno. Dessa fotms, para o Palácio do Planalto trata-se de um claro jogo de gsngs-ganha.
Minha crítica a PEC 1/2022 é de que ela é um simples paliativo ou " morfina" para a grave situação econômica pela qual passa o Brasil. O Banco Central já declarou publicamente que, pelo segundo ano consecutivo a inflação irá fechar acima do teto do regime de metas de inflação, devendo ficar entre 8 e 9% em 2022. Embora a expectativa de crescimento do PIB tendo sido revista para 1,7% ao longo deste ano, trata-se de um crescimento pífio equivalente a 60,7% do ritmo de crescimento observado no período 1980-2014 e insuficiente para recuperar o PIB do ano de 2013! Por fim, mas não menos importante, deve-se destacar que entre março de 2021 até fevereiro de 2022, o número de famílias na pobreza - segundo dados do Cadastro Único- aunentou em 29%.
As medidas previstas da PEC 1/2022 podem atenuar, mas estão bem longe de serem capazes de resolver esses problemas , ou seja, é muito pouco e muito tarde tanto para resolver os graves problemas sócio econômicos do país, como para salvar o governo Bolsonaro da derrota certa nas urnas nas eleições de outubro de 2022.
( Publicado originalmente no site Jota.info.)
Não vamos afrouxar o garrão, a luta continua.