Temer: fragmentos do discurso autoritário
Em duas recentes entrevistas, o presidente interino Michel Temer soltou fragmentos de discurso reveladores da personalidade política que dele emergiu após assumir o governo. O conciliador de antes deu lugar a uma figura autoritária e soberba. Um semiólogo faria uma decupagem notável. Eu pinço apenas três pontos carregados de significados.
- “Eu não falo para baixo” – Na entrevista a Roberto Dávila (Globonews), perguntado se não iria processar Sergio Machado, que o acusou de ter pedido propina, ou doação eleitoral com recursos ilícitos, para o candidato Gabriel Chalita, Temer disse que não o faria pois isso seria "o que ele [Machado] mais deseja”. “Eu não vou dar esse valor a ele. Eu não falo para baixo", afirmou Temer. Se fala apenas “para cima” deve ser com Deus. O que é falar para baixo? É falar para quem é hierarquicamente inferior? Ou para quem é moralmente inferior? Seja como for, a frase revela arrogância e pode ter sido um erro político. “Eu não falo para baixo” é uma frase semelhante a outras do “discurso autoritário” brasileiro, tal como a emblemática “veja com quem você está falando”. Quem a profere está fazendo uma “fala do alto”, e assim ele deve sentir-se não apenas em relação a Machado mas a todos que estão “embaixo”. Ademais, o delator da Transpetro não é um criminoso desconhecido de Temer. Foi por muitos anos uma figura importante do PMDB, ocupando o cargo em nome do partido, não importa quem indicou. Chutar cachorro morto não é uma boa política. No caso, o cachorro está politicamente morto mas não fisicamente. Ainda pode latir e morder.
- “Não acho que vale a pena” – disse Temer na entrevista à Rádio Jovem Pan, quando perguntado sobre o eventual acolhimento do pedido de impeachment do procurador-geral Rodrigo Janot pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. No entorno de Renan, a avaliação é de que Temer o deixou numa saia justa. No mínimo, fez uma espécie de censura prévia ao eventual acolhimento e ainda acrescentou, ao lembrar que Renan já arquivou outros pedidos contra Janot: “Tenho a sensação de que (Renan) não irá adiante”. Embora tenha dado sinais de que poderia acolher o novo pedido de impeachment do PGR, é sabido que a intenção de Renan era declarar-se impedido, por estar sendo investigado, passando o abacaxi para o vice-presidente do Senado, Jorge Viana. Mas agora, se fizer isso, seu gesto de grandeza poderá ser visto apenas como uma subserviência a Temer. Como as advogadas autoras fizeram adendos ao pedido, Renan adiou a decisão, pedindo o reexame dos advogados do Senado. Mas a saia justa ficou.
3. “Tive informações de que a senhora presidente utilizaria os aviões para fazer companha contra o golpe”, disse Temer a D’Ávila, ao falar da restrição por ele imposta às prerrogativas de Dilma, inclusive a de usar o avião presidencial. Mas esta já foi muito comentada. Foi ato falho mesmo. Saiu com naturalidade, não tendo ele sequer agregado um “suposto” antes do golpe.
Pensem nisso enquanto eu vos digo até amanhã.